Um objecto é abstracção e extensão. Afastamento e proximidade. Um objecto é um mundo. Uma poética.

Um objecto que não apresenta propriedades espácio-temporais mas que supomos que existe, é um ente abstracto. Ou que subsiste, como na escolástica medieval.

O objecto. O que deve ser interrogado: a filosofia, a psicologia, a lógica, a arte, a política, a economia.  O que deve ser perturbado: a hegemonia, a autoridade, o limite, a intenção. Forçar o impossível. Deleuze e Guattari — abstracção e esquizofrenia.

Objectos que as máquinas psiquiátrica e penal convocam. Borderline. Recalcamento. Perversão. Distúrbio. Psicose. Neurose. Histeria. Infracção. Burnout. Compulsão. Desordem. Falha. Obsessão. Anormal. Desvio. A Culpa e a  Verdade.

O objecto. O museu sem musas. Administrado. Sem inquietação. Um cabinet sem curiosité. Objectos disfarçados pela mecânica do poder. Que tipo de objectos a  lei faz surgir? A máquina administrativa e os seus imprescindíveis efeitos de poder: “passa pelo funcionário medíocre, nulo, imbecil, cheio de caspa, ridículo, puído, pobre, impotente, tudo isso foi um dos traços essenciais das grandes burocracias ocidentais, desde o século XIX.


O grotesco administrativo não foi simplesmente a espécie de percepção visionária da administração que Balzac, Dostoiévski, Courteline ou Kafka tiveram. O grotesco administrativo é, de facto, uma possibilidade que a burocracia se deu."1 

O objecto é transição e passagem. Composição e decomposição. Acontecimento. Forma, vazio, acção, palavra, cópia, modelo, simulacro. Abismo. Combinação infinita. Um choque. Um encontro: “é muito difícil escolher um objecto porque depois de quinze dias começa-se a gostar dele ou a detestá-lo.”
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O objecto como ficção. O real. Lacan e o realismo especulativo.D´avance. [B.B.] Borges e Beckett. O sujeito e o objecto. O ovo e a galinha. A experiência mental de Schrödinger. O gato vivomorto. Insurreição: “se a filosofia grega recusa admitir a relação entre a palavra e a coisa, entre falar e pensar, a razão está, sem dúvida, no facto de o pensamento se dever subtrair à relação estreita entre a palavra e a coisa, na qual vive o homem que fala. O império desta língua" a mais falante de todas as línguas" (Nietzsche) sobre o pensamento, foi tão grande que o esforço maior da filosofia deve ser o de se libertar deste império."
3 A crítica da justeza das palavras —  interpretar o oráculo de Crátilo. Objectos: (I) a língua enquanto erro colectivo (II) o esquecimento.



S. “De que maneira se deve aprender ou descobrir aquilo que existe talvez seja algo grande demais para ser conhecido por mim ou por você. Convém que nos contentemos com a confirmação do seguinte: não é a partir dos nomes mas sobretudo a partir das coisas que devemos aprender e investigar elas mesmas ou os seus nomes.”4

1 Michel Foucault -  Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, Editores, 2001,p.p..16-17
2 Marcel Duchamp , in - Marcel Duchamp. Engenheiro do tempo perdido. Entrevistas com Pierre Cabanne. Lisboa: Assírio e Alvim, 2002, p. 70
Hans - George Gadamer - Vérité et Méthode. Paris: Éditions du Seuil, 1976,p.268.
4 Platão - Crátilo. Tradução de Celso Vieira a partir do texto grego. p. 65. https://www.academia.edu/11956096/O_Cr%C3%A1tilo_de_Plat%C3%A3o_tradu%C3%A7%C3%A3o_